Quando falamos sobre violência doméstica, pensamos normalmente na mulher como sendo a vítima preferencial de um homem que é o agressor. Este quadro, inserido num espaço doméstico, não exclui a presença de crianças.
Estas são as vítimas no presente e a longo prazo da violência doméstica. A criança projecta-se no futuro e aquilo que vê na sua infância, o que sente e o que sofre, física e psicologicamente, marca-a indelevelmente e para todo o sempre.
Pensa-se que cada agressor esconde uma meninice atormentada pela violência doméstica mas nem sempre uma criança maltratada será um agressor. Quantas pessoas, vítimas de maus-tratos, não são cidadãos exemplares quando adultos, que tentam ao máximo sublimar o seu sofrimento precoce? Muitos deles até serão bons pais tentando não repercutir no seu quotidiano, junto dos seus próprios filhos, comportamentos agressivos que possam perpetuar condutas desnecessárias, porque sinónimo de violência doméstica.
A criança que vê a sua mãe a ser batida e que na sua pequena estatura tem um estatuto diminuto face ao agressor, revela a impotência de um Ser que, por muito que queira agir para defender a sua mãe, arrisca-se também a ser humilhado no seu mais intimo coração: a sua dignidade.
Ouvi uma vez uma história de uma menina de três anos que se pôs em cima de um banco para dar uma chapada ao pai que discutia com a mãe dela. Neste gesto de “arranjar altura”, encontra-se o desejo de cada criança em ser momentaneamente adulta para resolver o “seu” problema assim como também para resolver o problema “deles”, dos pais.
Quantas crianças não deixam de o ser precocemente pela necessidade de, ao constatarem um sofrimento atroz á sua volta, de insultos, chantagens, pancada, gritos e choros, tentarem ser as “mães” e os “pais” das suas casas.
Este facto nota-se principalmente quando a criança é a mais velha dos irmãos. A responsabilidade que tem para resolver o problema que se lhe coloca, o de tomar entre as suas pequenas mãos, o destino do “seu mundo”, traz-lhe rugas marcantes, no rosto pequeno e sensível e numa alma infinita.
É assim que muitas vezes deparamos com “crianças sábias”, que num gesto curto fazem comportamentos marcantes e reveladores de uma grande experiência de vida. Não deveríamos consentir nesse roubo de Infância. Será necessário repensar todo o mundo afim de que as nossas crianças possam não testemunhar o acabar dos seus sorrisos.
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